O clima estava embaraçoso, ele estava
lendo meu currículo, sério e concentrado, e eu ali, calada, inquieta, com as
mãos apoiadas no meu colo mexendo os dedos, olhando pra ele.
-Muito bem... – ele disse, deixando o
currículo de lado – vejo que você fez mestrado em letras e já deu aula por
cinco anos... Você me parece uma boa professora com muitas opções de trabalho
em diversas escolas, porque esta mudando bruscamente de carreira?
-Motivos... de força maior – falei um
tanto sem jeito, incomodada com aquela pergunta.
-E porque secretária? Eu acho que ser
professora é algo muito melhor.
-Desculpe mas não tenho motivos para fazer
isso – menti – motivos que convenham dizer numa entrevista. São coisas pessoais
que não lhes dizem respeito.
Ele me olhou sério e depois sorriu – Mas como
você pretende conseguir um emprego se não consegue ser honesta com seu
entrevistador? São perguntas que me dizem respeito sim! Se você é uma doida
psicopata que matou seus alunos e fugiu do seu país pra recomeçar, eu devo
saber!
-Olha aqui seu..... Eu não fiz nada disso,
eu só.... eu só.... esquece tá legal – suspirei e me levantei para ir embora...
Se para conseguir aquele emprego eu deveria me abrir para ele, então eu poderia
achar outro onde não fizessem tantas perguntas pessoais.
-Hey onde você vai? – ele perguntou
levantando-se.
-Vou embora.... Não quero mais trabalhar
aqui.
-Mas é assim então? Vai desistir só porque
foi colocada na parede na sua primeira entrevista?
-Como sabe que é minha primeira
entrevista... Eu posso já ter feito muitas!
-Olhando pra sua fisionomia e relembrando
a pressa que estava no metrô hoje mais cedo.... Presumi que você não fez muita
coisa....
Aquele cara já estava me irritando, e muito!!!
Eu queria bater nele... – Você vai desistir ou não? – ele perguntou. Respirei
fundo... me virei e sentei novamente na poltrona. Ele sorriu e se sentou também
– vamos continuar – Continuamos com a entrevista, ele fez várias perguntas
típicas de entrevistadores, e no final se levantou e esticou a mão para mim
como se fosse me cumprimentar.
-Eu fui contratada? – perguntei, apertando
a mão dele, me sentindo um pouco melhor.
-Hmmm... não – ele sorriu sarcasticamente.
-Como é???
-Acho que você deveria ser professora.... –
ele cismou.
-O que você acha não me interessa, você me
impediu nas duas vezes que eu ia desistir, pra no final dizer “não”?
Ele colocou a mão no queixo, fazendo uma
cara de pensativo e depois disse – é... é isso ai.
-Você é maluco sabia?? Um grande maluco
idiota!!!!! – pisei forte no chão, pegando minha bolsa e saí enfurecida.... –
eu deveria ter ficado dormindo se soubesse que seria esse desperdício de tempo
com esse babaca!!! Deveria ter ido embora na primeira vez que ameacei sair...!
Saí do prédio como um boi bravo
atropelando todos que estavam na minha frente, e pouco antes de eu virar a
esquina, ouvi ele me chamando na porta do prédio, me virei olhando-o e ele
gritou acenando – SEJA UMA PROFESSORA!!!! – sorriu.
-Vai tomar no seu.....!!!!!! – a última
palavra foi abafada pela buzina de um caminhão parado no sinal vermelho... As
pessoas me olharam com ar de “que garota rude”, mas eu não me importe.... Entrei
num café uma quadra depois, me sentei num dos banquinhos próximo do balcão e
pedi um expresso e um petit gateau. Minha expressão era de cansaço, decepção,
frustração e muita tristeza... – porque é que Deus esta me castigando dessa
forma... – murmurei a mim mesma.
-Dia difícil? – disse a balconista –
Muito! – respondi.
Ela sorriu – todos temos um dia difícil...
Espero que consiga melhorar o seu – ela sorriu deixando meu pedido ali perto.
-Obrigada – agradeci de cara fechada.
Enquanto apreciava aquele café maravilhoso, vi um senhor entrando atrás do
balcão e falando com a outra moça – Onde esta a outra garota? – ele perguntou –
Ela se demitiu, disse que não aguentava mais.
-Céus! Agora vou precisar contratar outra
pessoa! Mas que droga!
-Com licença – falei interrompendo-os –
Não pude deixar de ouvir que estão pretendendo contratar uma nova balconista,
eu estou à procura de emprego, tenho experiência.
O homem me analisou, eu estava bem
arrumada e parecia ser carismática, tirando a expressão triste que não
conseguia esconder – Estou muito ocupado para procurar alguém, você pode vir
aqui amanhã as sete e vamos ver como você se sai.
Não contive um sorriso de satisfação. Não
era bem o emprego tranquilo que eu queria, mas já era um começo. Agradeci,
finalizei a refeição e voltei pra casa. Estava animada por ter conseguido um
emprego, entrei em casa tirando os sapatos e gritei – Tadaima!!!
De repente fiquei parada segurando a
maçaneta da porta com uma mão e um sapato com a outra, ouvindo o silêncio
daquela casa vazia e solitária... Lembrei que meu amado Kazuki já não estava
mais ali para me receber. Não tinha mais ninguém pra dizer animado “okaerinasai”
... Lembrei de como ele gostava que eu falasse certas palavras em japonês, de
como sorria com a minha pronuncia cafona e tentava me ensinar a falar
corretamente... Ajoelhei caindo em prantos mais uma vez... Quando eu pararia de
chorar? Não conseguia tirar as lembranças incrivelmente felizes do meu coração,
que agora me machucavam tanto... Aquele emprego, aquela cidade, a casa e eu
mesma não passavam de ilusões de uma vida que nunca mais seria a mesma – eu gostaria
de ter ido com você – falei ao vento entre lágrimas.
Uma moça passava pela rua e me viu
ajoelhada na porta de casa – Oh meu Deus você esta bem??? – disse ela se
aproximando com ar de cuidadosa.
-Sim... estou...
-Não me parece bem, você esta chorando!!!
-É só um dia difícil...
-Você é nova aqui não é? Eu moro bem ali
naquela casa – apontou a casa ao lado – não hesite em bater lá se precisar de
qualquer coisa, esta bem?
Eu tentei agradecer com um sorriso
forçado, e a moça sem saber o que fazer, balançou a cabeça, sorriu e saiu
andando.
Me arrastei para dentro até conseguir
fechar a porta e ali fiquei, deitada no chão de madeira, totalmente sem rumo,
lamentando pela saudade que nunca mais iria embora, nunca mais seria curada,
nunca mais seria morta. Adormeci em meio à lágrimas e solucinhos... não sentia
vontade de viver, nem de trabalhar, toda a felicidade de ter conseguido algo
havia se despedaçado no momento que entrara em casa e relembrara o passado.
Pra que eu me mudei se nem consigo
esquecer... que diferença faz essa casa ou a antiga casa... se todas as
memórias vieram na bagagem... acho que nunca irei superar...
continua.... talvez rs.